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O PROJETO

DEMOLIÇÕES

A demolição é antes de tudo a potência da renovação. Quando paramos frente a um espaço prestes a ser demolido, está lá, a olho nu, todo o resto do que já foi história: tijolos quebrados, objetos abandonados, paredes pela metade, cores sobrepostas em tons dos mais variados e inimagináveis, janelas aos cantos. Vê-se ali o que já foi, o que é e o que pode vir a ser.

Demolição é um substantivo feminino, no simples acréscimo de um “s” torna-se plural, cria-se um coletivo.  Podemos falar então em “Demolições”. Em todas as possibilidades de pôr abaixo o que precisa ser (re)inventado, mas não descartado.“Demolições” surge, primeiramente, de um incômodo individual: a mulher que se percebe atingida diretamente pelas formas de relação modernas, pela superficialidade contida nos novos jeitos de estar em pares. Nessa tomada de consciência do papel que ocupou na relação, onde não era sujeito, mas pessoa-objeto, onde os seus dizeres mais íntimos foram suplantados, onde não teve voz, enxerga-se então, parte de um grupo maior. Não se trata mais de uma questão pessoal, de uma experiência que é só sua, mas de um lugar coletivo.

Também não se trata mais de ver o feminino apenas a partir do ponto de vista do lugar que a mulher ocupa nas relações amorosas, mas em todos os espaços sociais. Assim, essas questões tornam-se a pesquisa de um grupo, uma mulher e um homem: o Coletivo de Areia.

Em 2014  este projeto já havia ficado como suplente no Proac – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo e em  2015 o coletivo foi finalmente contemplado. O Proac  tem como objetivo fomentar e difundir a produção artística em todas as regiões do Estado, apoiando financeiramente projetos artísticos, selecionados por meio de Editais a partir de comissões especializadas. A verba é oriunda de recursos próprios da Secretaria da Cultura.

O  Coletivo de Areia está comprometido a  dar voz a uma mulher coletiva invisível, que jamais conseguirá se encaixar em qualquer padrão estabelecido. Almejamos uma leitura coletiva da construção e da demolição dos laços afetivos que ocorre num piscar de olhos, quando substituímos a presença física, a experiência real e com isso, abrimos mão dos desconfortos também inerentes a relações sem anteparos. Afinal, esses anteparos nos dão a impressão que não é mais necessário lidar com os aspectos desconfortáveis do “relacionar-se” com o outro.

Assim, “Demolições”  também quer discutir de que forma as relações afetivas e sociais  se configuram na atualidade, usando como aparato metafórico as redes sociais e a arquitetura dos espaços em estado de demolição da cidade. Se por um lado temos  os “likes”, os “filtros”, “os compartilhamentos”, colocando em xeque o que é  público e o que é privado, o que é real e o que é ficção, o que é forjado, manipulado, distribuído (ou não) num espaço virtual; por outro lado, temos o espaço “real”  em ruínas, destroçado,fragmentado e ocupado em gestos, cores e sons por “corpos forjados”, também manipulados (photoshop, cirurgias plásticas, filtros de cor,etc..) , na mesma medida que as informações que circulam livres pelas redes sociais. E a pergunta que fica é? O que é, na verdade,  a realidade e o que é a ficção?      São Carlos, como território, também carrega essa dualidade: de espaços modernos e tradicionais em conflito, e ambos em ruínas.

 A escolha por olhar para a arquitetura da cidade e criar um espetáculo  que parte de um cenário-instalação, é o desejo de transferir para um espaço ficcional uma realidade com a qual lidamos diariamente na frente do computador e num passeio pelo território vivo.Construir um espaço de cena que se encontra no limiar entre o antigo e o novo, o real e a ficção, nos dá a possibilidade de utilizarmos muitos  lugares que já carregam  características do que é novo e do que é velho, do que é ruína e do que é reconstrução,do mesmo modo, podemos usar espaços vazios, e ressignificá-los.  

Quando nos demos conta da riqueza que seria nos utilizarmos do  conceito  de site -specific (sítio específico) na construção de um cenário-instalação, enfocamos assim, a importância do lugar, do ambiente em nossa pesquisa artística. Não à toa iniciamos o trabalho pela fotografia, improvisando modos de nos relacionarmos com ambientes em ruínas e objetos esquecidos ou  propositalmente deixados pra trás (já não serviam!). Mas, ao improvisarmos “modelos do feminino moderno” nesses ambientes, entre objetos  queimados e sujos, vislumbramos narrativas específicas, onde os atores-narradores suscitam, a partir de gestos e animação de objetos, narrativas imagéticas propulsoras de uma dramaturgia e encenação absolutamente possíveis.

 Sim, é uma tendência contemporânea: o hibridismo, planar ou mergulhar por outras linguagens, mas também, em nosso caso, é uma necessidade para a criação de um discurso vivo, territorializado e em total conformidade com as características artísticas de cada integrante desse coletivo.Queremos falar sobre o nosso tempo, o nosso lugar e o nosso papel. Seja o espaço que for: uma sala vazia, uma casa antiga, o espaço não será  paisagem, mas objeto artístico, discurso narrativo. Não será só expressão plástica, mas signo vivo que permite comunicação direta com o espectador presente.

Finalmente, outro dado importante dessa escolha estética tem relação direta com a noção de arte pública, visto que retirar o objeto artístico dos espaços tradicionalmente destinados à ele nos coloca em diálogo com a ressignificação  de lugares e objetos, deslocando-os (ou não) de seus espaços de origem (janelas, tijolos, areia, portas, porta-retratos), enfatizamos o caráter efêmero da obra, que por curto período de tempo, nos faz transitar por outra espacialidade, outra temporalidade e outras realidades possíveis.

Trata-se de um projeto polifônico, que conta com a colaboração de artistas convidados, locados em São Carlos, São Paulo, Bauru e Berlim: Antonio Salvador, dramaturgo e escritor premiado com o livro: A Condessa de Picaçurova (Berlim), Francisco Peres, diretor (Bauru), Edison Bicudo, compositor de trilha original (SP), Aline Ferraz, provocadora cênica  de Teatro-Documentário (SP), Ipojucan Pereira, provocador cênico de performatividade (SP), Maju Martins, preparadora corporal (São Carlos), Daniele Adorna, artista visual (São Carlos), Otacilio Alacran (colaborador em preparação vocal). A maior parte da equipe é egressa da USP, dos mais diversos cursos, o que também possibilita um diálogo efetivo com a produção acadêmica de uma universidade pública.

O motor para a criação teatral é derivado de um campo híbrido, quando o teatro  passa a ser exibido, estudado e concretizado à luz de um estudo mais aprofundado das artes performativas e  das artes visuais, num vivo encontro entre imagem, som e presença no espaço, tendo como motor os espaços demolidos (internos e externos), tendo como pano de fundo as relações afetivas forjadas na tênue fronteira entre o que é ficção e o que é realidade, buscando uma compreensão estética do lugar do feminino (e, consequentemente do masculino) na sociedade atual.

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